O Problema do Proletariado no Brasil

O problema do proletariado foi transladado, para as agitações da nossa opinião, com a mesma forma das coisas e posição das pessoas, nos centros urbanos manufatureiros da Europa. A cessação da exploração extensiva da terra em algumas regiões, deslocando gente e capitães para as indústrias, assim como o excessivo desenvolvimento do pessoal em certos estabelecimentos do Estado e o protecionismo criaram, entre nós, um proletariado urbano muito superior ao que deveríamos ter. Seus reclamos seriam, ainda assim, interesses acessórios, para serem advogados por impulso de simpatia e de benevolência, e não tratados como problemas sociais e políticos. O socialismo, propagado entre operários, tomou a feição dos programas radicais europeus, ampliado até a aspiração do poder; e, de outros lados, a questão do proletariado apresentou-se, aqui, com o mesmo aspecto que lhe empresta, nos centros europeus, o conflito do capital com o trabalho. Assim encarado, com descabido exagero, pôs-se à margem o grande e vital problema das populações rurais e urbanas que não são nem capitalista nem proletárias e cujos interesses não se apresentam com o aspecto de conflitos entre o capital e o trabalho.

Na Europa e nos Estados Unidos o “problema social” do operariado não exprime senão a forma contemporânea do fluxo das marés históricas, impondo em cada período as reivindicações das classes inferiores que adquirem a consciência de sua força; mas o problema social, profundo e vivo, permanente e geral, não depende destes interesses diretos. No Brasil o grande problema é o da economia total de uma sociedade, cujas bases, instáveis e desorganizadas, não oferecem segurança nem ao futuro, nem à própria existência de ninguém, a não ser à custa do Tesouro, ou em pequeno número de indústrias, dependentes das mais violentas e imprevistas crises: é o problema do povo, em geral: o problema dos produtores, que não sabem ainda cultivar a terra, infiel, com suas estações e seus climas irregulares, ao esforço do braço, e não encontram nos costumes, nas instituições, nas leis e na própria vida social senão barreiras ou fintas aos frutos de seu labor: o problema de todo o mundo, vivendo a existência apática de gente para quem o dia seguinte não acena com a mínima esperança às mais modestas aspirações.

Em meio à realidade destas coisas, o aumento do proletariado urbano e a preocupação da política com suas teorias, ao lado dos fatores apontados e do erro, ainda mais grave, do desenvolvimento das cidades, não têm servido senão para criar uma verdadeira aristocracia dentro do próprio proletariado, escalado em vários graus, da classe superior dos operários do governo para a dos estabelecimentos privados, e desta para a dos trabalhadores do campo, cuja vida e cuja posição social é, em relação àqueles, ainda quase servil. Resulta desta inversão da normalidade social, criada pelos governos, que o campo perde, de dia para dia, em vida e interesse, e que agravamos o êxodo das populações para as cidades – uma das mais sérias crises dos velhos países, só manifestada, entre nós, com o vezo de se fazer a vida por absurdo, transformando-se em fatos as teorias que importamos.

O REGIME DEMOCRÁTICO NO BRASIL

Outra ilusão dos políticos é a eficiência da verdade eleitoral, como base da representação das correntes de ideias.
Confunde-se habitualmente, neste assunto, o ponto de vista da moralidade política como o da realidade representativa. No ponto de vista moral, um país de constituição democrática, cujo processo eleitoral é fictício e fraudulento, repousa sobre uma mentira flagrante. Tal democracia não se distingue, politicamente, de qualquer autocracia ou oligarquia, senão pela irresponsabilidade dos que exercem a ditadura.

Trata-se aqui de uma condição elementar da vida legal, mas inverte-se a posição dos fatos quando se pretende atribuir ao defraudamento das eleições a importância de uma causa do sofisma da verdade representativa.

A pureza do regímen eleitoral resulta da existência do regímen de opinião. Como expressão da vontade coletiva, a eleição pressupõe uma mentalidade coletiva. As eleições mais puras, que não exprimam resultados de lutas entre opiniões, não tem por efeito senão firmar o poderio dos indivíduos que se investem das delegações públicas, por uma das formas mais antipáticas e grosseiras da força bruta: a das maiorias inconscientes.

Maiorias que não sabem o que vêm, ao entrar no recinto das assembleias, representam, no regímen das democracias, o mesmo papel de qualquer dos generais bárbaros do baixo império romano, elevado ao trono dos Césares pela força impulsiva e brutal das legiões.

O regímen de opinião depende de um certo grau de cultura e de um grau maior de civismo. Possuímos ilustração em escala mais elevada do que civilização. Ao passo que o nosso povo conta uma imensa massa de analfabetos e, sem incluir os indígenas, de indivíduos em estado, material e moral, de selvageria, o número dos intelectuais é avultado e notável a elevação de seu preparo. Mas, no intelectualismo, a forma erudita e ornamental predomina sobre a forma intensa e raciocinante. Saber muito e dizer bem é o ideal cultivado pela maioria dos que estudam; poucos se preocupam com formar uma filosofia prática e ter opinião sobre os problemas; quase todos afetam, sobre as coisas da política e da vida pública, a indiferença característica das culturas de decadência. Os que não usam da cultura como simples arma de combate pessoal, mantem-se no terreno das fórmulas vagas e das teorias abstratas, onde não correm risco de perder simpatias e popularidade. Há um propósito de abstenção visível no meio intelectual, que deveria exercer a iniciativa da discussão e dar impulso às correntes de ideias. Os intelectuais brasileiros consideram o preparo que possuem um meio de êxito pessoal, sem o ligar a nenhum dever, a nenhuma responsabilidade de ação e direção social.

A opinião dos povos modernos, onde a produção intelectual é escassa, é feita pelo jornalismo; mas o jornal não é órgão de de direção, senão instrumento de impressões e de conselhos rápidos, variáveis, naturalmente superficiais e versáteis.

Para realidade do regímen representativo, no sentido de expressão da natureza mental do povo, é indispensável que se formem correntes de opinião; para que estas se formem, é necessário a existência de um centro, ou de centros intelectuais ativos, operando com energia e com liberdade. Os partidos e agrupamentos políticos são forças de repulsão das personalidades definidas e de esmagamento da liberdade de pensar.

Autor: Alberto Torres. Retirado de “Panorama”, Janeiro de 1936. págs. 76-77-78.

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